Clarice Lispector
Textos y
Fragmentos
varios (5)
Tanto em pintura como em música e literatura, tantas
vezes o
que chamam de abstrato me parece apenas o figurativo
de uma
realidade mais delicada e mais difícil, menos
visível a olho nu.
Como em tudo, no escrever também tenho uma espécie
de receio de ir
longe demais. Que será isso? Por que? Retenho-me,
como se retivesse
as rédeas de um cavalo que pudesse galopar e me
levar Deus sabe onde.
Eu me guardo. Por que e para quê? Para o que estou
eu me poupando?
Eu já tive clara consciência disso quando
uma vez escrevi: "é preciso
não ter medo de criar". Por que o medo? Medo de
conhecer os limites
de minha capacidade? Ou medo do aprendiz de feiticeiro
que não sabia
como parar? Quem sabe, assim como uma mulher que se guarda
intocada para dar-se um dia ao amor, talvez eu queria
morrer toda inteira
para que Deus me tenha toda.