Clarice Lispector
Quanto a Aladim,
soltava minha imaginação para as lonjuras do
impossível a que eu era crédula: o impossível
naquela época estava ao
meu alcance. A idéia do gênio que dizia:
pede de mim o que quiseres,
sou teu servo - isso me fazia cair em devaneio. Quieta
no meu canto,
eu pensava se algum dia um gênio me diria: "Pede
de mim o que
quiseres." Mas, desde então,
revelava-se que sou daqueles que têm que
usar os próprios recursos
para ter o que querem, quando conseguem.
Tive várias
vidas. Em outra de minhas vidas, o meu livro sagrado
foi emprestado porque era muito caro: Reinações
de Narizinho. Já contei
o sacrifício de humilhações e perseveranças
pelas quais passei, pois, já
pronta pra ler Monteiro Lobato, o livro grosso pertencia
a uma menina
cujo pai tinha uma livraria. A menina gorda e muito sardenta
se vingara tornando-se sádica e, ao descobrir o que valeria para
mim ler aquele
livro, fez um jogo de "amanhã venha em casa que
eu empresto".
Quando ia, com o coração literalmente batendo
de alegria, ela me dizia:
"Hoje não posso emprestar, venha amanhã".
Depois de cerca de um
mês de venha amanhã, o que eu, embora altiva
que era, recebia com humildade para que a menina não me cortasse
de vez a esperança, a
mãe daquele primeiro monstrinho de minha vida
notou o que se passava
e, um pouco horrorizada com a própria filha, deu-lhe
ordens para que
naquele mesmo momento me fosse emprestado o livro. Não
o li de uma
vez: li aos poucos, algumas páginas de cada vez
para não gastar.
Acho que foi o livro que me deu
mais alegria naquela vida.
Em outra vida
que tive, eu era sócia de uma biblioteca popular de aluguel. Sem
guia, escolhia os livros pelo título. E eis que escolhi um dia
um livro chamado O Lobo da Estepe, de Herman Hesse. O
título me
agradou, pensei tratar-se de um
livro de aventuras tipo Jack London.
O livro, que li cada vez mais deslumbrada,
era de aventura, sim,
mas outras aventuras. E eu, que
já escrevia pequenos contos, dos 13
aos 14 anos fui germinada por Herman
Hesse e comecei a escrever um
longo conto imitando-o: a viagem
interior me fascinava.
Eu havia entrado em contato com a grande literatura.
Em outra vida
que tive, aos 15 anos, com o primeiro dinheiro
ganho por trabalho meu, entrei altiva porque tinha dinheiro,
numa livraria,
que me pareceu o mundo que eu gostaria onde eu gostaria
de morar.
Folheei quase todos os livros dos
balcões, lia algumas linhas a passava
para outro. E de repente, um dos
livros que abri continha frases tão
diferentes que fiquei lendo, presa,
ali mesmo. Emocionada, eu pensava:
mas esse livro sou eu! E, contendo
um estremecimento de profunda
emoção, comprei-o. Só
depois vim a saber que a autora não era anônima, sendo, ao
contrário, considerada um dos melhores escritores de sua época:
Katherine Mansfield.